sábado, 21 de maio de 2011

Tênis novo


Sair de casa vestindo um par de tênis novo é como ser um disco de alvo de dardos. Todos, em sua volta, vão tentar acertar um dos pés. Desvia aqui, escapa lá. Um passo apertado, agora um largo. Mas não adianta, sempre acabam acertando o alvo. O pior é que fica a marca da sola no couro. Aliás, se não desenhar o solado, não tem graça. E tome cuidado, porque vão querer pisar novamente.

 
O calçado é branquinho, lá vou eu com toda calma e tranqüilidade, cuidando até com a poeira do chão, calculando cada passo. De repente, quase entrando em um ônibus, uma criança, com aquele pezinho tamanho beirando os 30, pisa na ponta dos meus 43. Sim, o tênis era branco e ficaram as listras daquele pequeno calçado.

Maldito pezinho! Com tanto espaço para correr e pular encontrou logo o meu tênis novo para fazer de chão. Uma raiva me tomou de súbito. Respiração profunda e, pensando bem, era uma criança e nem sujou tanto assim.

Um pano úmido resolveu o problema. Então, tentei uma segunda vez. Saí de casa e percorri quadras. E nenhuma pisada. Nada! O tênis estava intacto, branco e ninguém estava percebendo. Já chegava ao destino. Ninguém iria pisar nos calçados. Faltava pouco.

Ao virar para o lado, uma mãe desastrada, empurrando um carrinho de bebê, passou com a roda da frente em cima do pé esquerdo. Sim! Desta vez, uma criança em um carro atropelou o tênis novo.

Será que pisam nos meus pés habitualmente e eu noto só quando visto um par de tênis novo? Então, lembrei que é coisa de criança. É tão comum elas fazerem isso, que até sem saber já pisam nos pés dos outros.

No colégio, quando alguém aparecia com algo novo nos pés, a turma fazia fila para dar aquela pisada. “Primeiro padrinho”, gritava um. “Segundo... terceiro... quarto...”, diziam outros tantos. Então, assim pensei que todo mundo já fez isso um dia, inclusive eu. Acabei por concluir o quanto éramos chatos.

Então, esperando em uma fila, na semana passada, duas meninas e um rapaz, na faixa dos 15 anos, conversavam no guichê da rodoviária. De repente, o guri olha para baixo e, com um movimento rápido, como um especialista no assunto, dá um pisão no pé da amiga, batizando o tênis (branco) novo. A menina ao lado, para não ficar em desvantagem, deu outra pisada, em um gesto quase de karatê, garantindo o posto de segunda madrinha.

Apavorado, me restou recolher os pés, olhar para os lados e assobiar disfarçadamente.

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