sábado, 12 de setembro de 2009

Delírios

Otávio chegou exausto em casa depois de um dia intenso. Se não bastasse a pilha de processos por analisar, o barulho do trânsito é ensurdecedor e estava com dor nas costas de ficar por horas sentado na poltrona, em seu escritório. O trabalho não lhe proporciona o mesmo prazer de dez anos atrás, quando começara a advogar. Por diversas vezes perdia a concentração e demorava a voltar ao seu raciocínio. A inquietação de Otávio começou há duas semanas atrás depois que Sofia foi contratada para ser a nova secretária.

Sofia mede cerca de 1 metro e 75 centímetros. Seu tronco é impecável. É a mulher que os homens não poupam elogios e nem fazem cerimônias para olhar. Os cabelos loiros, não muito compridos, resvalam sutilmente sobre seu avantajado decote. Os olhos parecem gotas do oceano, por vezes, parecem azuis, por outras, verdes. As pernas compridas proporcionam o balanço cadenciado do seu rebolado discreto. Para muitos a mulher perfeita. Adjetivo que Sofia já não dava mais tanta importância em ouvir.

Além de linda, Otávio vê em Sofia uma mulher inteligente, agradável para conversar e que raras vezes está de humor alterado. O sorriso de seus lábios carnudos e dentes brancos enfeitiçam o advogado. “A mulher perfeita para viver o resto da vida”, pensou rápido Otávio. Se não fosse casado estaria hoje ao lado daquela empática exuberância loira.

O dia-a-dia ao lado de Sofia fez Otávio articular em sua mente alguns planos para levá-la a um jantar, logo imaginou um motel. Mesmo em casa, naquela noite de temperatura amena, de céu aberto e sem lua, enquanto altera a agenda do próximo dia no escritório, em seu notebook, Otávio sente o perfume delicado e inesquecível da doce Sofia.

Sua perturbação mental já transborda em seu semblante e em suas respostas, vazias, para a esposa. Então, Otávio serve um copo de uísque com duas pedras de gelo. Toma o primeiro gole e passa a lembrar de seu tempo de solteiro. Das responsabilidades que não tinha. “Ah, se eu estivesse só, faria qualquer coisa para estar com Sofia”, lamenta em seu pensamento. Balança a cabeça e tenta voltar ao seu lugar de marido fiel. Não queria fazer mal à mulher que lhe jurou amor eterno.

Otávio não tem dúvida do amor que sente pela companheira. Ele tenta entender o efeito provocado em seu espírito por outra pessoa. Não lhe surge resposta alguma. Balança o copo de uísque. Não enxerga nada a sua frente, somente a imagem de Sofia em seu pensamento. Ouve as pedras de gelo baterem no copo. O barulho lhe desperta. Seca o copo em um movimento abrupto e olha no relógio. É quase meia noite. Otávio fecha o notebook, se levanta e vai dormir ao lado de sua esposa, afinal, amanhã é mais um dia de trabalho.


E-mail: colunabbb@gmail.com
Texto publicado no jornal Gazeta Regional do dia 12 de setembro de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário