domingo, 24 de julho de 2011

Embarque das 7h55min

O sono desperta com o berro de um rádio relógio desafinado. Estica o braço, com toda a preguiça da manhã depositada sobre ele, e dá um tapa no botão soneca. Cinco minutos depois, pontualmente, afinal pontualidade é a honra dos ponteiros, o aparelho volta a fazer uma gritaria. Após levantar da cama, no inverno, a primeira coisa a se fazer no dia é espiar entre as frestas das persianas e procurar o sol.

Muitos dias já amanheceram cinza. Nas ruas, as pessoas somem em meio a tanta neblina e umidade no ar. O nariz congelado é um termômetro do corpo a amaldiçoar o frio. Apesar de inúmeras roupas pesadas, encolhido em meio a lã pendurada nos ombros e cintura, nada se pode fazer com a chuva. Ou pior, aquela garoa desgovernada a vir de cima, dos lados e por baixo do guarda-chuvas.

Quando o sol brilha o mundo muda. As pessoas deixam de resmungar. Falam, cantam, comemoram no calorzinho do sol, nos intervalos de jornadas indispensáveis. No ônibus que pego todas as manhãs, o motorista dá bom dia em tom maior. Sorri, faz um comentário sobre o frio com certo desprezo e, ao fim, com gosto diz: “pelo menos teremos um solzinho para esquentar”.

O cobrador conta as moedas animado. Libera a roleta e segue conversando com os clientes. A todos passageiros que embarcam, uma palavra sobre um assunto qualquer e, para o grande final, fala do tempo. O sol sairá nesta manhã. O azul do céu e o espaçamento entre as nuvens anunciam a manhã ensolarada.

O bom humor coletivo que o sol transmite torna a vida mais simples e agradável. Terceira parada, a porta do ônibus abre e ela embarca. Com o som do salto das botas no piso metálico se anuncia. Denuncia seu estilo e poder. O cobrador, que já estava tagarela com o provável surgimento do sol, lhe deseja um bom dia, distribui sorrisos e atira palavras ao ar.

Ela senta, em meio ao casaco de lã preto que cobre todo tronco, passa pela cintura, quase chega às botas de couro também pretas, quase batendo nos joelhos. Olha pela janela. Espia para o céu. Deve estar pensando sobre o tempo. Sorri de volta para o cobrador a falar, quase pular, já não se sabe mais se pelo sol ou pela presença daquela mulher.

De pele clara, quase branco neve, e cabelos escuros na metade das costas. Não pude ver seus olhos, mas deviam, pelo descompasso do homem que a contempla, ser de uma profundidade desigual. O sinal toca, alguém irá descer. Ela vai desembarcar. Atravessa o corredor. Segura-se nos mastros para não desequilibrar ao frear do carro. A porta abre. O cobrador não para de desejar um “ótimo isso, ótimo aquilo”. Ela vira o pescoço, balança os cabelos lisos e compridos, se despede e desce à calçada. Só não desce seu perfume que fica a vagar no corredor.

O sol já começa a aparecer, mas aquele rapaz emudece. Olha pela janela, mira para a calçada e a vê se distanciar. Desaparecer na quebrada de uma esquina. Conta moedas, mexe nas mãos, balança as pernas. Está ansioso. A espera do ônibus das 7h55min, do dia seguinte.

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