sábado, 26 de setembro de 2009

Mas que dia de gato!

Era quinta-feira, o dia amanheceu cinza e com as ruas todas molhadas. Caía uma garoa muito fina, quase invisível. Seria mais um daqueles dias de ficar em casa, embaixo das cobertas. No meu caso, dormindo ou lendo. Em outras situações um filme e uma pipoca cairiam bem. Para quem trabalha, isto não passa de um sonho. É uma autoprovocação.

Pela tarde a garoa ficou mais forte. A temperatura era agradável e o vento forte e incomodativo. Em alguns pontos, principalmente nas esquinas, iniciava uma briga: eu e meu guarda-chuva contra a ventania. Normalmente eu levava a melhor. O fato é que o dia estava estranho.

Com a chuva e o tempo ruim parece que o trabalho não flui como em um dia normal. Os fatos demoram a acontecer e os computadores apresentam problemas. Ficamos apenas com uma máquina. É lógico que o serviço atrasa e o tempo não nos espera.

Era um dia banal. Sem muitas emoções. E não parava de chover. Cheguei em casa e resolvi ir escrever. Algumas pesquisas e em uma hora estava pronto. Por fim, fui deitar e assistir TV. Ainda estava com uma camisa de botão, calça jeans e um sapato. Comecei a sentir frio. A noite sempre traz o ar gelado. Tirei os sapatos e esticado puxei dois edredons dobrados ao meio e cobri da cintura para baixo. Preguiça de estender as cobertas. De relance olhei no relógio e lembrei que precisava de algumas coisas.

O mercado fica a uma quadra e meia de onde eu moro. Calcei os sapatos, vesti uma jaqueta e peguei meu guarda-chuva. Fiz uma lista mental do que precisava e separei um troco. Eu iria comprar apenas o suficiente. 200 gramas de apresuntado da promoção, 150 gramas de queijo e três pães. A garoa que caía já era bem fraca e o vento estava ainda mais frio.

Fui atendido rapidamente e consegui um caixa sem fila. No final da quinta-feira parecia que as coisas estavam melhores. Não tão monótonas. O valor da compra foi de R$ 5,60. Eu levei uma nota de cinco e duas moedas de um real. Bem contado. Coube tudo em uma sacola. Depois de pago peguei as minhas coisas e saí. Olhei contra a luz de uma lâmpada e vi que os pingos de água estavam mais grossos. Nesta hora pisei em uma possa. Os pés encharcaram. Caminhar com o pé molhado causa uma sensação desagradável e é desconfortável.

Quando estou chegando ao outro lado da rua ouvi uma voz ofegante se aproximando e que gritava:
- Senhor! Senhor!

Olhei para traz e vi o rapaz do supermercado agarrando com as duas mãos uma sacola.
- O senhor esqueceu suas coisas – disse.

Eu estranhei aquele “senhor”, mas, é compreensível. Olhei para a minha sacola e perguntei:
- Ah! Saí com as compras trocadas?
- Não! O senhor deixou o litro de desinfetante – concluiu.

Olhei para aquela sacola e vi que não era minha e respondi:
- Não comprei desinfetante nenhum.
- O senhor saiu e deixou em cima do caixa – insistiu o moço.

Nós ali na rua discutindo aquilo tudo, embaixo de uma chuva de descargas elétricas e pingos grossos e espaçados, resolvi responder com tom de voz mais firme.
- Não comprei isto. Não é meu.

O funcionário do mercado me olhou, deu as costas e saiu à procura do verdadeiro dono do desinfetante.

Cheguei em casa cinco minutos depois daquele episódio. A cada degrau que eu pisava com o pé direito ouvia o barulho da água. Que grunhido chato. Já dentro da sala fechei a porta e ouvi o miado da minha gata. De raça não definida, era muito querida e mimosa. Aliás, é por isso que seu nome é “Mima”. Ela estava se esfregando nas minhas canelas e ronronando. Fui até a cozinha e ela me seguiu com mios altos. Larguei a sacola e me abaixei para lhe acariciar atrás das orelhas, onde ela gosta. Peguei um punhado da sua ração na mão e lhe estendi. A Mima fez cara feia. O escândalo era puro dengo.

Fiquei por ali com a gata no colo por alguns instantes e a soltei. Parecia o suficiente. Ela saiu para um lado e eu para o outro. Lavei as mãos e guardei as compras. Voltei para o meu quarto e a porta estava entreaberta. Foi só terminar de por o segundo pé para dentro e senti um cheiro ruim, de azedo. Entendi porque a gata me agradou de chegada! Identifiquei o odor e logo pensei: “onde está?” Olhei atrás da mesinha, embaixo da cama e encontrei as fezes atrás da cabeceira da cama. Limpei, passei uma água, esfreguei. Repeti o gesto cinco vezes. Nada adiantava, pois, o cheiro não saía. Eu só tinha sabão em pó e não é próprio para a madeira.

Foi quando me lembrei daquele rapaz do supermercado. Para ser mais exato, daquele desinfetante com cheiro de pinho que veio ao meu encontro há 10 minutos atrás.
Texto publicado no jornal Gazeta Regional do dia 26 de setembro de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

Conquistar e amar na guerra e na peleia

Foto: minisérie A Casa das 7 Mulheres

Aos 14 anos Anita Ribeiro se casava com um sapateiro, na cidade de Laguna, em Santa Catarina. A adolescente precisou se dedicar ao sustento da família após a morte do pai. À época pregar solas de sapatos não arrecadava tanto lucro, mas, garantia a estabilidade financeira. A garota se mantinha quieta. Os traços do olhar transmitiam insatisfação com o destino. Com aquela idade não podia se impor perante a mãe e o marido. Ela esperou até completar 18 anos.



Em setembro, do mesmo ano do casamento de Anita (1835), desembarca um aventureiro italiano no Brasil. Um capitão dos mares destinado a lutar por suas convicções e pela província de São Pedro do Rio Grande do Sul.



Anita permaneceu quieta por cinco anos, até conhecer Giuseppe Garibaldi. Ela encontrou o revolucionário ainda em Santa Catarina, no porto de Laguna, em uma das tomadas do italiano. A jovem deixou a família. E carregou o filho recém nascido de Garibaldi. Foi em busca da honra e da aventura. Um filho no braço e no outro um fuzil. Na mente um ideal e no coração um homem.



Anita esteve ao lado de Garibaldi na Revolução Farroupilha e em outras tantas, como em Santa Catarina, Uruguai e Itália. Mulher forte, guerreira, idealista fez o que muitas outras não fariam na época. Tornou-se um símbolo da Guerra dos Farrapos e da independência feminina. Lutou e morreu por milhares de pessoas que jamais veria. Não sabia do dia de amanhã. Talvez nem quisesse saber. Os campos de batalha reservavam surpresas desagradáveis para todos os dias.



O casal não era gaúcho para guerrilhar nestes solos. O verdadeiro local de nascimento de Anita ainda causa discussão e incerteza. Seriam eles loucos de entrar em brigas em terras desconhecidas? Por quê? Pelo amor a aventura ou de um pelo outro? Pela dedicação ao próximo? Não se sabe. Havia ideal, união e a crença de uma república melhor. Havia o amor pela bandeira verde, amarela e vermelha. Pela cultura deste povo. Valores, estes, lançados por Anitas e Garibaldis que escreveram a história do nosso Rio Grande do Sul.



A bravura, a fé e o amor destes homens e mulheres são lembrados todos os dias ao sorver um mate, ao assar uma carne, ao dizer um “tchê”. Os exemplos de Anita e Garibaldi foram levados adiante por este povo gaúcho: o amor pela bandeira, pelo povo e o sucesso campo a fora deste Rio Grande.

E-mail: colunabbb@gmail.com


Publicado no jornal Gazeta Regional do dia 19 de setembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

Delírios

Otávio chegou exausto em casa depois de um dia intenso. Se não bastasse a pilha de processos por analisar, o barulho do trânsito é ensurdecedor e estava com dor nas costas de ficar por horas sentado na poltrona, em seu escritório. O trabalho não lhe proporciona o mesmo prazer de dez anos atrás, quando começara a advogar. Por diversas vezes perdia a concentração e demorava a voltar ao seu raciocínio. A inquietação de Otávio começou há duas semanas atrás depois que Sofia foi contratada para ser a nova secretária.

Sofia mede cerca de 1 metro e 75 centímetros. Seu tronco é impecável. É a mulher que os homens não poupam elogios e nem fazem cerimônias para olhar. Os cabelos loiros, não muito compridos, resvalam sutilmente sobre seu avantajado decote. Os olhos parecem gotas do oceano, por vezes, parecem azuis, por outras, verdes. As pernas compridas proporcionam o balanço cadenciado do seu rebolado discreto. Para muitos a mulher perfeita. Adjetivo que Sofia já não dava mais tanta importância em ouvir.

Além de linda, Otávio vê em Sofia uma mulher inteligente, agradável para conversar e que raras vezes está de humor alterado. O sorriso de seus lábios carnudos e dentes brancos enfeitiçam o advogado. “A mulher perfeita para viver o resto da vida”, pensou rápido Otávio. Se não fosse casado estaria hoje ao lado daquela empática exuberância loira.

O dia-a-dia ao lado de Sofia fez Otávio articular em sua mente alguns planos para levá-la a um jantar, logo imaginou um motel. Mesmo em casa, naquela noite de temperatura amena, de céu aberto e sem lua, enquanto altera a agenda do próximo dia no escritório, em seu notebook, Otávio sente o perfume delicado e inesquecível da doce Sofia.

Sua perturbação mental já transborda em seu semblante e em suas respostas, vazias, para a esposa. Então, Otávio serve um copo de uísque com duas pedras de gelo. Toma o primeiro gole e passa a lembrar de seu tempo de solteiro. Das responsabilidades que não tinha. “Ah, se eu estivesse só, faria qualquer coisa para estar com Sofia”, lamenta em seu pensamento. Balança a cabeça e tenta voltar ao seu lugar de marido fiel. Não queria fazer mal à mulher que lhe jurou amor eterno.

Otávio não tem dúvida do amor que sente pela companheira. Ele tenta entender o efeito provocado em seu espírito por outra pessoa. Não lhe surge resposta alguma. Balança o copo de uísque. Não enxerga nada a sua frente, somente a imagem de Sofia em seu pensamento. Ouve as pedras de gelo baterem no copo. O barulho lhe desperta. Seca o copo em um movimento abrupto e olha no relógio. É quase meia noite. Otávio fecha o notebook, se levanta e vai dormir ao lado de sua esposa, afinal, amanhã é mais um dia de trabalho.


E-mail: colunabbb@gmail.com
Texto publicado no jornal Gazeta Regional do dia 12 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

Intercâmbio na notícia


São Pedro do Sul é um município com cerca de quatro mil habitantes. As águas do rio Vouga atraem turistas de diversas regiões e colabora com o desenvolvimento do, recém emancipado, município. Não fique confuso. Estou falando mesmo de São Pedro do Sul. Fique tranquilo, não mudou nada nesta São Pedro onde você mora. Este município é outro São Pedro do Sul, situado na região central de Portugal.

A semelhança dos nomes gerou confusão na redação do jornal A Razão que publicou na quinta-feira, dia 27 de agosto, uma nota na editoria “A Razão do Rio Grande” (pág. 10) referindo-se à nossa cidade com o título “Requalificação de jardim e mirante em processo”. Sem dúvida o conteúdo causou estranheza aos são-pedrenses que leram a publicação.

As primeiras linhas do texto dizem o seguinte: “A Câmara Municipal de São Pedro do Sul procederá a requalificação do Jardim Central junto ao quartel do Corpo Voluntário de Salvação Pública, tendo adquirido terreno conjuntamente com uma parcela que acrescerá para o futuro Centro de Saúde (...) Será criado um novo passeio para peões até o quartel dos bombeiros...”. E por aí segue a nota (leia completo na imagem acima).

O autor do texto não identifica fontes, por isso, concluo que houve uma pesquisa em algum site de buscas, provavelmente o Google, e surgiu a notícia de São Pedro do Sul, de Portugal. Faltou checagem de informação e também conhecimento da região central do Estado. Ou, pelo menos, dos municípios que fazem divisa com Santa Maria.

Segundo o jornal Português, Público, São Pedro do Sul foi emancipada cidade no dia 12 de junho deste ano. Somente os nomes são iguais, as cidades são completamente diferentes. A gaúcha tem quatro vezes mais habitantes que a portuguesa. As duas possuem particularidades turísticas distintas. O clima, a região e a cultura europeia são diferentes do nosso clima tropical.

A curiosidade é a estrada que leva ao conhecimento. Pela internet conheci outro município de costumes e histórias diferentes com nomes iguais. A troca na informação local nos transportou para milhares de quilômetros de distância. Quem sabe não incentivou turistas a viajarem para Portugal, andar de barco no rio Vouga, numa província abençoada pelo mesmo Santo Pedro? Vai saber.

E-mail: colunabbb@gmail.com
Texto publicado no jornal Gazeta Regional do dia 6 de setembro de 2009